domingo, 7 de março de 2010

Batalha de Aljubarrota

Está Vasco da Gama a contar a História de Portugal ao Rei de Melinde, referindo a morte de D. Fernando e respectivas consequências, e referindo também D. João, Mestre de Avis, e toda a sua história de nomeação a Regedor e Defensor do Reino. Dá desenlace à batalha contra Castela que se travou em 14 de Agosto de 1383.

O Rei de Castela invade Portugal, e poucos eram os que queriam combater pela Pátria. Mas os que estavam dispostos a defender o seu Reino, onde se destacava Nuno Álvares Pereira, iriam defende-lo com a convicção da vitória, pois o país vizinho tinha enfraquecido bastante no reinado de D. Fernando e D. João I era garantia de valor e sucesso e nunca Portugal tinha saído derrotado dos combates contra os Castelhanos.

No início desta batalha, o som da trombeta castelhana causa efeitos não só nos guerreiros, como nas mães, que apertam os filhos ao peito, e também na natureza: o Guadiana, o Alentejo, o Tejo ficam assustados!

Na descrição da batalha, destacam-se as actuações de Nuno Álvares Pereira e de D. João, Mestre de Avis; salienta-se também o facto dos irmãos de Nuno combaterem contra a própria Pátria, acabando por morrer numa batalha em que foram traidores de Portugal.

No final, Camões refere o desânimo e a fuga dos Castelhanos, que novamente foram derrotados pelos lusitanos.

Tema e divisão em partes:

O texto, cujo tema é a descrição da batalha de Aljubarrota, pode dividir-se em três partes lógicas. A primeira parte (28 e 29) constitui uma espécie de introdução, em que o poeta assinala o terrível efeito provocado, na natureza e nas pessoas, pelo espantoso sinal lançado pela trombeta castelhana para o começo da batalha. A segunda parte - desenvolvimento (de 30 a 42) é a descrição propriamente dita da batalha (entrecortada por um comentário emotivo do poeta na estrofe 33), em que se realça a acção de Nuno Álvares (30, 34 e 35), o movimento terrificamente barulhento e confuso da refrega (31), a referência aos irmãos de Nuno Álvares que lutavam do lado dos castelhanos e respectivo comentário do poeta (32 e 33), a acção de D. João I, que, como chefe e rei, a todos entusiasmava não só com palavras, mas também com o exemplo (entre as setas dos inimigos corro e vou primeiro).

Finalmente, a terceira e última parte – conclusão (43-45) apresenta-nos a desmoralização e fuga desastrosa dos castelhanos e a vitória eufórica dos portugueses.
Primeira parte – Introdução (est. 28 e 29)

Síntese

A trombeta castelhana dá o sinal para a guerra e este ecoa por toda a Península Ibérica, desde o Cabo Finisterra ao Guadiana, desde o Douro ao Alentejo. As mães apertam os filhos contra os peitos. Há rostos sem cor e o terror é grande, muitas vezes maior do que o próprio perigo. Durante o combate as pessoas, com o furor de vencer, esquecem-se do perigo e da possibilidade de ficarem feridas ou mesmo de perderem a própria vida.
Análise estilística das estrofes 28 e 29:

0 poeta realça logo o tremendo sinal de combate, dado pelos castelhanos, por meio dos adjectivos horrendo, fero, ingente, temeroso, som terríbil. Com o fim de realçar o efeito produzido por esse tremendo som da trombeta castelhana, há a personificação de seres da natureza física (o monte, os rios) que, eles próprios, tremeram frente a esse terrível sinal de guerra. Associada à personificação surge também a hipérbole: "o Guadiana atrás tornou as ondas de medroso"; "correu ao mar o Tejo duvidoso". Como símbolo do medo e terror deste som da guerra aparece a ternura das mães, aos peitos os filhinhos apertando. O efeito deste sinal de guerra é ainda realçado pelos rostos macilentos ("quantos rostos ali se vêem sem cor"). Para realçar este pavor que precedeu a própria batalha, o poeta afirma, a jeito de conclusão, que nos perigos grandes, o temor é maior muitas vezes que o perigo.


Segunda parte – Desenvolvimento (est. 30 a 42)
Síntese

A guerra começa. Uns são movidos pela defesa da sua própria terra e outros pelo desejo de vitória. Os inimigos são muito numerosos, mas os portugueses defendem-se com bravura. D. Nuno Álvares Pereira destaca-se na luta. D. Diogo e D. Pedro Pereira, irmãos de Nuno Álvares Pereira, estão a combater contra ele, “(caso feio e cruel)” – no entanto, não tão grave como combater contra o rei e a pátria. No primeiro esquadrão há portugueses que renegaram a pátria e combatem contra seus irmãos. D. João I, sabendo que D. Nuno Álvares corria perigo, acudiu à linha da frente para apoiar os guerreiros com a sua presença e palavras de encorajamento e, com um único tiro, matou muitos adversários. Depois desta situação, os portugueses mais entusiasmados lutam sem recearem perder a vida. Muitos são feridos, muitos morrem, mas a bandeira castelhana é derrubada aos pés da lusitana.

Com a queda da bandeira castelhana, a batalha tornou-se ainda mais cruel. Sem forças para combaterem, os castelhanos começam a fugir e o rei de Castela vê-se derrotado e impedido de atingir o seu propósito.
Análise estilística da estrofe 31:
Na estrofe 31 note-se a expressividade dos adjectivos: "espesso ar" (a salientar que a própria atmosfera se mostrava de ar carregado), "estridentes farpões", "pés duros", "ardentes cavalos", "duras armas"; a expressividade dos verbos: tiros voavam, treme a terra; vales soam, espedaçam-se as lanças, tudo atroam, recrescem os inimigos. Há também a inversão da ordem das palavras (hipérbato), ao gosto clássico. Mas o que mais impressiona nesta estrofe é a admirável harmonia imitativa (onomatopaica) que existe entre o seu corpo fónico e o barulho da batalha. Como exemplo, aponte-se a frequência das sibilantes dos três primeiros versos e do 5º, sugerindo o sibilar das setas; as aliterações verificadas sobretudo nos versos 3º e 6º; a frequência dos rr, sobretudo no versos 2º, 4º e 6º, imitando o som ríspido e rude da refrega. Há ainda  a frequência das oclusivas (p, t, d, b, c), tudo isto sugerindo, sobretudo nos quatro primeiros versos, o tropel dos cavalos. Observe-se, finalmente, o trocadilho nos dois últimos versos pouca e apouca.

Em poucos textos da nossa literatura o significante terá tanta importância como nesta estrofe 31, para dar visualidade e impressionismo à mensagem.

Intenção e efeito da estrofe 33:


Esta intervenção emocional do poeta, apostrofando célebres traidores da pátria, serve para, a jeito de coro na tragédia, pôr em evidência e comentar o caso feio e cruel de dois irmãos de Nuno Álvares se encontrarem do lado dos castelhanos, lutando contra a sua pátria e contra seu irmão. A descrição da batalha é um episódio essencialmente cavaleiresco, dominado do princípio ao fim pela bravura patriótica de Nuno Álvares. O facto de surgirem dois irmãos, como ele portugueses (esses renegados), lutando contra a pátria e contra o irmão, além de conferir maior dramatismo à descrição pelo que há de chocante em semelhante traição, vem realçar a figura impolutamente patriótica de Nuno Álvares. A descrição da batalha de Aljubarrota é-nos dada pelo poeta sobretudo como um quadro exaltador de Nuno Álvares.


Terceira parte – Conclusão (est. 43 a 45)
Síntese

Os castelhanos fogem vencidos e encobrem a dor das mortes, a mágoa, a desonra, maldizendo e blasfemando de quem inventou a guerra ou atribuindo a culpa à sede de poder e à cobiça. D. João I passa alguns dias no campo de batalha para comemorar e agradecer a Deus a vitória com ofertas e romarias, mas D. Nuno Álvares Pereira, que só quer ser recordado pelos feitos bélicos, desloca-se para o Alentejo.